Paulo Rosa

O avesso de Midas

Por Paulo Rosa
Caps Porto, Ambulatório Saúde Mental, Telemedicina PM Pelotas, Hospital Espírita
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Górdio, rei da Frígia, na antiga Ásia Menor, casou-se tempos atrás com Cibele. Ele nos legou o famoso nó górdio, significando empecilho insuperável. Dessa união nasceu Midas, que sucedeu seu pai no trono, sendo o filho um rei sagaz, mas desapiedado. Ele estabeleceu o culto ao grande Zeus e instituiu os mistérios de Cibele. Midas caiu nas graças do deus Dionísio, por ter salvo Silênio da fúria dos camponeses, tendo a divindade, em pagamento, ofertado a Midas que pedisse o que quisesse e seria atendido. Midas, por ganancioso e apressado, pediu que tudo o que ele tocasse virasse ouro. Ele se deu conta de que aquilo veio a tornar-se maldição, quando sua própria comida virou ouro. Além disso, Midas foi ainda castigado por Apolo, que lhe atribuiu um par de orelhas de burro, porque o imprevidente Midas votou contra uma escolha apolínea num concurso de música, coisa considerada imperdoável no supremo tribunal do Olimpo. Passou o infeliz a usar, pelo resto da vida, um capote frígio para esconder as orelhas asininas. Mas, seguia tornando tudo ouro ao seu simples toque. Veio, por fim, a matar-se, como gostavam os deuses da mitologia grega (Encyclopedia of Mythology, Larousse, 1975, página 150).

Midas e seus congêneres são encontradiços desde os idos gregos até os dias atuais, nas pradarias desse mundo afora. Quem não conhece variados exemplares de gente que parece ter o mágico dom de fazer ouro com a maior facilidade? E, fato curioso, apresentam esses Midas contemporâneos as mesmas espertezas e impiedades do precursor helênico. Não é preciso ir longe para vislumbrá-los.

Há ainda os Midas feitos pelo avesso. Esses que tornam tudo – seja o que dizem, o que olham, o que tocam, o que respiram, o que postam – um dejeto. Tais seres são notáveis pela capacidade de gerar o ódio, a cizânia, a desavença, a rixa, a discórdia, que pode se alastrar como fogo em pólvora. Já os velhos psiquiatras franceses mostraram interesse, observando que tais indivíduos funcionam como disparadores das mais íntimas e imparáveis tensões para sujeitos sensíveis às suas ações, formando o que desde a antiga Medicina se chamou ‘folie-à-deux’ – loucura a dois, a tão humana ideia de que dois sujeitos se enlouquecem reciprocamente e que, em consequência, ao separá-los, pelo menos, ameniza-se o quadro. Não que cure, mas a separação alivia. A clínica revela, ainda hoje, abundantemente, tal patologia.

E a questão não se restringe ao âmbito médico. O belicismo está por todo lado. A filosofia cowboy grassa pelo mundo – exemplo notório é a ridícula ‘solução’ de construir um “bom” muro americano, que corte a imigração mexicana pela raiz, como fazia o velho cowboy, liquidando os bandidos não tão rápidos, e sendo aclamado pelo poder do povoado. Impensável que o mané do Norte venha a se reeleger com o ‘Make America great again’.

Tempos estes de nacionalismos nazi, que exigem presenças de Midas do avesso: o que tocam vira fezes.​

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